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Quanto vale uma vida?

February 23, 2012

Nunca é fácil dar adeus a um amigo. Mais difícil ainda é ter de aceitar que o “boa semana, até logo” de dias atrás foi o último, e você não sabia que ia ser. Tudo melhora quando há tantos outros amigos que vêem você chegando e te recebem com o maior carinho. Te lembram, sem dizer palavra, de que não adianta se entregar. De que tudo passa, até uva passa, e que nós também: enrugamos mais que uva, e passamos do mesmo jeito, mas que as coisas continuam acontecendo, florescendo. Por isso tudo, a última visita ao Lar Emmanuel não só emudeceu, mas desletrou o confuso Écolla. Sem saber o que escrever, mas com muitas coisas dentro daquele nariz vermelho querendo sair pra fora (apesar de resfriado, não, não era ranho), abriu sua caixola para o amigo aqui espiar, e cá estou eu, escrevendo em seu lugar. Sem detalhes, só ideias e sentimentos…

Nada resume uma vida. Mas, se a vida se resumisse em direita e esquerda, seria prazeroso viver sem as perguntas que fazem nossa cabeça rodar. Uma vida dividida apenas entre gostar e não gostar, em bom e ruim, sem meios termos. Imagine se fosse assim para as doenças, também! As pessoas sofrem tanto nesse vai-não-vai de hospitais e clínicas e farmácias e casas de repouso e cadeiras de rodas, e lá se vai o tempo de vida desperdiçado em sobrevivência. Se só houvesse vida e morte, seria tudo muito mais fácil! Cada dia de vida desfrutado em plenitude, sem aquela unha encravada, sem aquela artrite-catarata-ressaca-dor-de-cotovelo pra atrapalhar. Daí, quando batesse o cansaço, seria só ir embora pro outro lado. Sem cirurgia, sem dor, sem aquela sensação de que o corpo não é mais o mesmo, de que a cabeça não lembra mais com a mesma clareza, de que as pessoas que você conhece existem em número cada vez mais reduzido.

Imagine você: uma vida plena, perfeita. Sem dúvidas, apenas certeza!

Certeza?

Bom, eu não tenho certeza disso. Na verdade eu não tenho certeza de quase nada. Mas sei muito bem que uma vida não é isso. Vive aquele que sorri ao ouvir a voz amiga, mesmo que não possa enxergar sua face. Vive aquele que dança com o seu sentimento, mesmo que suas pernas já não se movam. Desconfio dessa história de que viver em paz e ser feliz é não sofrer. Pra mim isso é coisa de gente triste que quer vender alegria. O sofrimento e a dor fazem parte do aprendizado, e fugir disso é que é deprimente. É justamente essa dor, essas pequenas perdas, que nos ensinam quão além a vida vai, quanto ela vale, e quão curta ela pode ser. Conviver com essas dores é, justamente, não se importar tanto com elas, é deixar as energias para outras coisas. Ao invés de reclamar de quem não vai te ver, dar atenção aos seus visitantes e, por que não?, levantar a bunda da cadeira e ir visitar alguém! É cumprimentar com firmeza, com vontade. Se der a mão direita, que seja com a maior satisfação. E, se não der, que dê a esquerda, mas que seja de coração.

A vida flui, e vamos todos morrer. A flor fenece enquanto um bebê nasce, chorando.

Quanto a mim, levo comigo e passo adiante o que for bom. Vou semeando enquanto não viro adubo.

Sigo pulsando.

– Em homenagem especial ao Sr. Raul, amigo, professor, galante, sorridente mesmo que ranzinza, e ao Sr. Vanderlei, que pode não enxergar, mas vê que gentileza gera gentileza.

Concluído em 16/01/2012 (14h23), publicado originalmente no site do Gandaiá.

From → Prosa

One Comment
  1. Que pensamento maduro, bonito. De quem já esgotou o assunto. E com quem eu concordo, com aquela pontinha de melancolia, mas uma melancolia bonita de observadora da vida. Assim do jeito que ela é.

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